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Texto: Nathalia Lobo – Engenharia do Trabalho CPST/PR-4
Em um mundo que nunca dorme, o trabalho noturno e os turnos ininterruptos tornaram-se essenciais para manter serviços funcionando 24 horas por dia. Hospitais, indústrias, transportes e até plataformas digitais dependem de profissionais que atuam fora do horário comercial. Mas essa demanda tem um custo — e ele pode ser alto para a saúde e segurança dos trabalhadores.
Um estudo recente publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional analisou dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 e revelou uma associação preocupante entre jornadas noturnas e acidentes de trabalho e de trajeto (Nascimento-Souza & Silva, 2025).
O que o estudo descobriu?
A pesquisa envolveu mais de 51 mil trabalhadores brasileiros com 18 anos ou mais. Os resultados mostraram que:
- 13,4% dos trabalhadores atuavam em regime noturno;
- 1,8% trabalhavam em turnos ininterruptos de 24 horas;
- O trabalho noturno aumentou em 40% a chance de acidentes de trabalho e de trajeto;
- Os turnos ininterruptos elevaram em 150% o risco de acidentes de trabalho, mas não mostraram associação com acidentes de trajeto.
Esses dados foram ajustados por sexo, idade e escolaridade, garantindo maior precisão estatística.
Por que trabalhar à noite é mais perigoso?
Trabalhar durante a noite interfere no ritmo circadiano — nosso relógio biológico — provocando fadiga, sonolência e redução do desempenho cognitivo. Isso afeta diretamente a capacidade de atenção, tomada de decisões e tempo de reação, aumentando o risco de acidentes.
Além disso, profissionais que atuam por 24 horas seguidas enfrentam desgaste físico e mental extremo. Estudos com enfermeiros e residentes médicos mostram que esses turnos afetam não só a segurança do trabalhador, mas também a qualidade do serviço prestado.
E os acidentes de trajeto?
O estudo também identificou que trabalhadores noturnos têm maior risco de acidentes no caminho entre casa e trabalho. A sonolência ao volante, especialmente após o turno da madrugada, é um fator crítico. Pesquisas anteriores já haviam apontado o aumento de “quase acidentes” e colisões entre trabalhadores que dirigem após longas jornadas noturnas.
Impactos sociais e econômicos
Acidentes de trabalho e de trajeto geram prejuízos para todos: trabalhadores, empresas e o sistema de saúde. Em 2021, o Brasil registrou mais de 571 mil acidentes de trabalho e quase 2.500 mortes — um aumento de 30% em relação ao ano anterior. E esses números podem ser ainda maiores, já que a informalidade (que atinge cerca de 42% da força de trabalho brasileira) dificulta a notificação oficial desses eventos.
O que pode ser feito?
O estudo reforça a urgência de políticas públicas e ações empresariais voltadas à proteção dos trabalhadores em regimes noturnos e prolongados. Algumas medidas incluem:
- Monitoramento da jornada de trabalho;
- Programas de prevenção de acidentes;
- Treinamentos sobre riscos e segurança;
- Incentivo à notificação de acidentes, inclusive no setor informal;
- Promoção da saúde mental e do sono.
Conclusão
Trabalhar à noite ou por longos períodos sem descanso pode parecer uma exigência inevitável do mundo moderno, mas os dados mostram que essa prática traz riscos reais e mensuráveis. Proteger quem mantém o mundo funcionando enquanto todos dormem é mais do que uma questão de justiça — é uma necessidade de saúde pública.
Refrência Bibliográfica:
Nascimento-Souza MA; Silva LS. Associação entre trabalho noturno e em turnos ininterruptos com acidentes de trabalho e de trajeto: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2025.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6369/23024pt2025v50e24